Ouroboros

man and woman in victorian clothes in ouroboros position

A mesa redonda, vestida a toalha carmesim, une-nos 

em prelúdio de dentes, carne e língua…


A perturbação de te ter tão perto de mim, ancorado pelo teu cheiro…

cheiro que transporto nos meus dedos quando te toco…

na minha boca após te consumir…

nos meus lábios quando te beijo… 

quando te tapo a boca, silenciando-te na urgência do clímax...



Entre nós o silêncio familiar de quem se consome em olhar mútuo,

por natureza animalesca, canibal, 

refinando ímpetos deliciosos e grotescos de holocausto luxuriante,

que habitam em todos os vazios das nossas vidas, falseando-os.


Observo-te o pescoço, que me incendeia a lascívia… por pele delicada, obsessão entre razão e emoção… 

terra de ninguém, fantasia de sabor e murmúrios.


Somos folhas leves na brisa ébria de Baco, que nos impacienta em terrível magnetismo libidinoso.


Respira…


Sorris-me, carnívora, de lábios ensanguentados por batom que desejo em mim… 

olhos enfeitiçados na dormência de prazer lento…

tortuoso…

ofegante…


“Em que pensas?” - pergunto-te…hipócrita


Quero que fales, que verbalizes…

para mim, palavra materializada é poesia dedilhada em corpo carente

vontade versada em rimas que cantam

 febres duradouras que aquecem uma existência glacial


“No mesmo que tu… em nós, perdidos num infinito temporal… em êxtase carnal.” - dizes-me, libertando a minha mente de amarras,

inflando velas da minha imaginação

fazendo-me navegar por tudo o que te quero fazer… até à profundidade do teu ser.


Ponta de língua nos incisivos, dilatação das narinas… 

procurando ar, roubado pelo rubor que lateja na fome do teu corpo…

o teu ritual de caça… para mim


Faz-me a tua presa.


Levas o copo à boca, rouge bordeaux apetece-te nos lábios 

onde descansas a ponta dos dedos.


De olhos ancorados nos meus, limpas sangue-de-vinho que te foge do que já beijei, que se lança onde te toco…

As minhas obsessões envolvem-te em mil sussurros…

espíritos, de mim para ti, para te possuírem, obcecar com segredos que me habitam a vontade…

sente-los adensarem-se em torno de ti? 

dentro… de… ti…?


Vênus de Cetim, horrenda sede pela tua carne que me chama, 

o cheiro que me condena à sanguínea fome de ti, 

eterna, perturbadora, 

sempre em hediondo jejum… por mais que te consuma…


“Que me queres fazer? Onde? Como?” - incitas-me em brando ronronar, de cabeça repousada na palma da mão que me dá tanto prazer…

em prelúdio de masturbação mútua…

Dentes explícitos no lento morder de ponta de mindinho.


“És desejo mortal e eu… eternidade sedutora… do clímax em contração que te encontras a experienciar…”. - digo-te 

tocando-te, leve, nа perna, cruzada com a outra, enquanto as apertas e baloiças… lenta e discreta… 

portas entreabertas a prazer formigante.


-“Sim… alimento o crescendo de prazer… para ti….”


O término do jantar faz-nos sair do local onde se iniciou o nosso mútuo canibalismo… idílico, platónico…

prelúdio de chamas que nos consomem…


Adiantas-te, suave, em direção à saída, em frente a mim…

Olhas-me… 

- “Quero que imagines como será provares o que ainda não tens… devora-me na tua mente… pulsa com o desejo abafado do jardim de delícias que ainda não conheces.”


A espera pelos teus lábios nos meus… delírios eróticos de possessão…


Um quarto aguarda-nos e nós no seu interior…


olhos cerrados,

corpos perto… intocados…


És desequilíbrio que me aprisiona o vício das minhas fantasias…


Sento-me por ordem tua, numa poltrona vermelha-escura… onde outros com outros, se consumiram também.

somos falange de todos os pecados mortais…


Avanças sobre a cama em frente, 

olhas-me

deslizas a alça esquerda sobre o ombro 

olhas-me 

deslizas a alça direita 

olhas-me

também isto é sexo, perdição, nulificação da razão


atravessas os lençóis de cetim,

gatinhando, 

confirmando-me preso a cada milímetro de ti 

objetificação das minhas necessidades…


rodas e esgotas-te, 

seios desnudos, apontados ao teto, cabeça inclinada na ombreira do colchão, 

centrada em mim, 

incitando-me a abusar de ti, 

pelo teu olhar que me chama, de lábios quietos.


Ergues as pernas, despertas-me a sinapse de língua que te atinge o ventre, 

ainda a meio da coxa.


Tiras os últimos tecidos que te cobriam dos meus intentos.

Tocas-te…

lenta,

suave,

tocas-me pelos olhos abertos, boca em manifesto desejo…

pelo prazer que te dás ao veres-me ver-te ter prazer…


“Toca-te…sente a delícia que me ofereço, na ponta dos meus dedos.” - sussurras-me no final de um primeiro arquejo,

convulso no ondular do teu corpo.


Toco-me, olhando-te em desvio do mundano…


“Eu sou tu e tu és eu… as minhas mãos são as tuas, 

e as tuas…minhas…” - a cadência de prazer autoinfligido sincroniza-se entre nós 

em movimentos, 

vontades, 

intenções.


“Entrega-me… assim, na minha boca, como se do ventre se tratasse… deixa-me saborear como me entras…” - suspiras, suave, entreabrindo os teus lábios-sangue… 

preparando-te para mim…


Quando para ti tendo, sinto a textura dos teus lábios a segredar-me no baixo ventre ao pedires:


“Poesia-me na ponta da tua língua.”

caminho descoberto, 

exposto, 

vulnerável à tua vontade… 

a imaginação da tua boca, 

quente… 

incontrolável, local do meu fim… arranca-me o compasso,

perturba-me o cardíaco,

desajeita-me o 

autodomínio…


entro-te… perco-me…


Um urro…

baixo, 

primordial, 

é-me arrancado por surreal prazer que te habita a boca… que agora me recebe… em ti, 

em que braços tomam-me a anca, como pernas, e pernas são braços em torno da minha cabeça, 

que espremes,

por entre as tuas coxas…


Por teu ventre ser boca e a minha boca ser-te usura...


Ouroboros…

Onde começas eu dou continuidade

onde sou, dás-me eternidade…


Forças-te na minha língua, 

circundando-a em procura de contração… 

a cada batimento…ténue… breve…clítoriano, páras, 

sentes-te de dentro para fora, ecos orgásmicos de algo ainda distante, mas presente…


Eu, o mesmo, procuro em ti… pelo teu vocal, língua, 

palavra exercida, sílaba a sílaba,

em meu redor, na minha carne que se esvai por ti… em ti…


Mais… uma… contração…

paramos… um no outro… dentro… encostados

respiramos, fundo, a tremer… 


Estamos quase… a ser um no outro…

“Quero-te sentir…” - deixo escapar em falta de ar…glutonaria por ti… 

deleite raro...


Mais um exalar, que carrega a morte do teu espírito, 

transitado a um reino de carne consumida por língua, beijo, toque, cheiro…

Intensificamo-nos, em ritmo… em cisma…


oh…

em delícia… em impossível delícia


Nada sinto… para além da tua boca, nada te existe para além da minha… em mútuo desenrolar de saciedade, 

consumo, 

sorver da vontade…


Quase… irresistivelmente quase… sem, no entanto,chegar… 

empurras-me a anca, enforcas-me nos teus lábios, 

mareio-te na minha língua…


Lambo-te as feridas, devoro-te crua…

vicioso 

frenético 

febril 

Quebra-mar por ondas de prazer violento… que te invade o corpo em dor prazerosa…


O frenesim que nos une faz-me leve no percorrer da minha língua… afundas-me em ti, nas tuas coxas… 

quando te vais a outro lugar… 

pontilhada por eletricidade que te invade, dentro e fora…


O clítoris fecha-se em contração que não destranca…

violenta…


Liberto-me em ti… abraçado no teu beijo que contém o meu ser primordial… 

e os espasmos que dele emanam… 

pulso contínuo, 

constante, 

que me abate, 

põe-me dominante no exercer em ti… 

reclamo coito consumado..

por entre os teus lábios que me põem lobo numa existência de cordeiro…


êxtase infinito através do qual danças… 

em torno da fogueira onde arde a pequena morte 

danças… devorada 

vingada na tua natureza-mulher…


Ode aos desejos da Libertina…

em nome das contrações,

sabores proibidos,

olhares estarrecidos…


Ode aos desejos da libertina.

Ode aos desejos da Libertina 

Ode aos desejos da Libertina

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O caminho do meio