O caminho do meio
Minha frágil e doce Lucille,
Como andam os teus desejos, as tuas submissões a vontades alheias à razão, plenas de coração, de batimento, de sangue que se move debaixo de pele febril por toque, por usura?
Diz-me, tens-te conseguido realizar no mundo em que habitas?
O mundano equilibra-se no saciar do teu desejo?
Apenas isso interessa? O saciar?
Talvez não.
Outra perspetiva há, escondida no silêncio de intenção muda, de desejo latente, não consumado.
Consideras o orgasmo sublime?
Tanto o que chega na seda de véu que revela o clímax, como o que te arranca a perceção da realidade?
Lembra-te de que não há dois iguais.
É a petite mort que procuras?
Parece-me pouco, parece-me pobre em espírito, em existência, para um ser como tu…
sequiosa de unha em dente,
de dente na carne.
E todos os universos que precedem essa pequena morte?
Condena-los a mero meio para um fim? Relega-os a algo secundário, terciário até?
A troca de olhares…
que te preenche a boca com vontade de prova
que, discreta no ofegar, te estimula o peito quando o sentes roçar na roupa com o subir e descer febril da busca por oxigénio que te foge,
amarrado à tua fantasia
O toque…
na superfície arrepiada do teu braço, desenhado pela leveza de dedos que te distorcem a mente pelos desejos que queres sobre ti?
O calor de outra pele na tua…
num abraço prolongado
que se quer carregado no sentir…
na falsa quietude da excitação cinicamente desconsiderada
Que falar então do desancorar de corpos vestidos,
onde o abandonar te presenteia com a pressão ascendente de dedos fugidios de passagem pelo teu clítoris,
sobre o pano da roupa que te protege da imolação por fogo de quem quer beber sem poder?
Há toques elétricos…
que te abrem os olhos em excitação por nunca considerares quem te tocou,
e os jardins que podem fazer brotar em ti,
as pétalas que se abrem
e o pulsar das coisas ainda por vir…
Considera ainda o abraço que te envolve…
rosada na face, de pernas enlaçadas em quem queres dentro de ti… sem o teres…
ao sentires o teu pescoço
cheirado
beijado
sorvido de todo o suor que libertas,
que te envergonha e que te deixa louca no sorriso de quem te envolve,
ao perceberes que ele to lambe da pele,
pois o suor és tu,
é o teu sabor,
e também ele se consome.
Perante tudo isto…
Um orgasmo?
Pergunto-te… e quando lábios, finda sôfrega procura, se tocam?
Hesitam… absorvem a surpresa, o silêncio mortificante de corações que ameaçam bater fora do peito…
violência provinda de ternuras
violência provinda de ternuras
E assim, sem ar, sem razão, apenas por pertença e aceitação se trancam em beijo de almas que se fundem em roçar convulso de dois corpos que se querem um no outro…
Reganhemos o foco perante o crux da minha questão.
Um orgasmo…
Que pode um orgasmo perante todo este prelúdio…
perante as contrações dos nossos sexos…
que reclamam toque, beijo, língua…
promessa de colheita em jardim de delícias?
Não te parece vulgar… antissexual?
Um orgasmo?
O clímax acontece para que a paixão não seja suicídio do corpo preso pelo desejo de quem se consome no outro.
Pudesses prolongar os segundos antes do fim, indefinidamente…
esses segundos que agora recordas e te formigam o ventre…
os que te expulsam o medo,
a vergonha e o mundo
e te esventram a casca podre e inútil…
os segundos que libertam o carnívoro do que realmente queres…
A textura dos ventres que se convulsam, procurando o doce deslizar da comunhão carnal,
não eletrificam o coração da mesma forma que língua quente em lóbulo de orelha,
trancado por lábios húmidos, que te provam no cerrar de um abraço lascivo.
Poderá esta carta ser considerada um objeto onde, de palavra em palavra, te toca a alma e te tocas…
lenta, pontilhada e dedilhada?
Terá então, a carta em si, cumprido o exercer de Eros sobre o teu coração ao torná-lo apreciador da eternidade que te ruboresce…
onde o sabor encontra cheiro com textura… onde o silêncio se quebra em suspiros…
em pedidos satisfeitos por vontades correspondidas…
Tenta, no papel de linho, onde as minhas fantasias se derramaram, encorpando memórias, usufruir do meu cheiro…
na imaginação que te dá berço quando procuras prazer, só, ou em corpo alheio.
Um lento beijo de uma outra dimensão,
O Vitoriano