1 A.M.

Um homem, sozinho na madrugada da sua existência, estagna, nostalgico sobre a sua vida

É dissonante a melodia da minha vida, com momentos de paz, nos dias em que a felicidade me beija com lábios de amnésia, afastando-me da miserável existência que não reclamei…existência dada, em momento carnal, pelos meus pais. 

Arsénico é a fragrância que areja esta tarde bafienta, estagnada, como tantas outras. 

Não sei por que escrevinho a minha sinceridade neste pedaço de papel áspero… tapeçaria nas falhas da minha escrivaninha fatigada por dias de sol, diluídos em noites eternas. 

Pó.

Pó em todo o lado, aquieta o futuro… amarela as memórias de quem regressou ao alívio do túmulo. 

Sou um triste forçado a sorrir. 

Não quero amor, esse veneno que trunca sonhos… descendo-os sobre lâminas de expectativas goradas. 

E que descanso há para quem, em jardim perfumado por ilusões sanguíneas, persegue a dama cor-de-rosa, na esperança de toque amoroso, doce abrigo para adormecer após longa, sofrida viagem? 

Em silêncios laminais, a carne expõe-se à inutilidade mundana sustentada por rituais, diluídos no instante em que se escapam da nossa perceção. 

Isto tudo, sem norte ou razão, andou até aqui sem nós, e, quando a Terra se purgar em cemitérios, prosseguirá de igual forma... compasso infinito…

como sol perdido no espaço, desprovido de planetas… a queimar a eternidade do cosmo. 

O silêncio cobrir-nos-á… na sua inevitável finitude. 

A vertigem fecha-me os olhos… caio na depressão trepidante do suicídio, e o desejo eleva-se, como o chão, lá ao fundo, na minha direção… 

Queria voltar atrás, lá atrás, à trepidação do primeiro momento de vida, em que o coração me esburaca o peito pela vibração de tudo o que é novo. Lá atrás, onde a centelha do início me ofuscou os olhos, cegos pelo horror da minha passagem por cá. 

Lá atrás. 

Quero regressar lá atrás, ao início de tudo. 

De tudo.

Na ponta de uma faca brilha uma estrela, aquietada na escuridão do nada. 

A única realidade permanente. 

A mão estrangula e a lágrima cai. 

A mão protege e o coração afoga-se com o acordar do remorso. 

O sol brilha ao longe, na inconstância do sonho, onde a mutilação não se concebe e as imperfeições se suavizam. 

Responde-me... por que me dói tanto?! 

Porque dói, oh, como dói. 

Dói tanto que desejo a morte, salvo pelo pequenino que me ama e me quer vivo. 

Porque me dói sem grito ou drama? 

A corrosão do silêncio que me distancia, me mata e me petrifica a paz, silência-me em sarcofago-solidão. A dor que está, a dor que enclausura, a que enterra e conta os segundos da finitude. A dor que te arrasta para o fundo do tempo que te resta e te ocupa com o vazio da miséria, que de ti flui sem escolha infetando tudo e todos em teu redor. 

Isto ficará em mim. 

Isto ficará em mim. 

Ele não curvará as costas sob o meu peso. 

Isto ficará em mim. 

Até que o caixão tudo limpe. 

Já reparaste que o mundo está a dormir, mesmo contigo a gritar? 

Sim…todos estão a dormir.